Uma lição de psicologia marciana



Por Ricardo Simões Ferreira

A história é contada por Carl Sagan, mais ou menos desta maneira: quando, a 21 de julho de 1976, a sonda Viking 1 enviou a primeira fotografia a cores da superfície de Marte, a expectativa entre os cientistas da missão era enorme. No dia anterior, o primeiro engenho da humanidade a conseguir enviar imagens do planeta vizinho tinha fotografado o seu próprio pé (para que se pudesse aferir a estabilidade do aparelho após a aterragem), mas tratara-se de uma foto a preto e branco.

Assim que a nova imagem foi revelada, conta o cientista norte-americano no seu livro Cosmos, imediatamente se percebeu que algo de muito errado se passara.

A foto mostrava um solo deserto rochoso, sem qualquer sinal de vida. Ao longe, sobre o horizonte, um pedaço de céu azul límpido. Dir-se-ia tratar-se de um lindo dia algures no midwest americano.

Incrível. Era esta a prova de que tudo o que pensávamos saber sobre o "Planeta Vermelho" estava errado?

Para aquela fotografia ser possível - para que a luz do Sol se dispersasse de forma a produzir um céu azul - Marte teria de possuir uma atmosfera muito mais densa do que tínhamos medido, com a presença de oxigênio e azoto no ar, ou então estaríamos perante um fenômeno que todo o nosso conhecimento científico não fora capaz de prever.

Foram precisas algumas horas para resolver o mistério. Chegou a avançar-se, em conversas entre colegas, algumas hipóteses. Seria possível que a ótica e a química funcionassem de forma diferente em Marte? Mas, tal como acontece quase sempre, a solução do problema revelou-se bem simples - ainda que bastante informativa para uma outra área do conhecimento humano, a psicologia.

O céu azul e o deserto amarelado da primeira imagem apresentada deveram-se, simplesmente, ao trabalho dos técnicos de laboratório que trataram a fotografia.

Instintivamente, os homens que calibraram as cores na imagem fizeram-no de forma a produzir aquilo que para eles era natural. As cores do céu e da terra estavam lindas, aos olhos de um ser resultado de milhões de anos de evolução num planeta onde o céu é azul e a terra do deserto amarelada.

Houvesse marcianos a enviar sondas para a Terra, quem sabe se eles não coloririam as suas fotos de forma a "pintar" o nosso céu em tons avermelhados.

O erro foi corrigido rapidamente, utilizando uma segunda imagem captada pela Viking, desta vez um pedaço de terra e de céu ao lado de uma escala de cores montada para o efeito na parte de trás da sonda.

A história, pouco mais do que anedótica, fica como lição: quando estamos a explorar o desconhecido, temos de deixar "em casa" todos os nossos preconceitos e ideias feitas. Afinal, todos os dias a realidade demonstra como é muito mais complexa e fascinante do que alguma vez pudemos imaginar.


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ANTÓNIO CUNHA

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