Al Mu’tamid, Rei e Poeta


Este rei e poeta, senhor de várias cidades, entre elas, Beja e Silves, em Portugal e Sevilha em Espanha, corporiza a glória do Al Andalus - o nome que os árabes deram aos seus territórios na península ibérica - que, durante sete séculos, incorporou um dos maiores centros de cultura, artes e ciência na Europa de então, ponto de encontro e convivência entre diversos povos e credos.

A cultura em português dos nossos dias deve muito à ancestral cultura árabe. Durante os seus cerca de 800 anos de permanência na península ibérica, as ligações umbilicais multiplicaram-se e espalharam-se para além do universo que fala português, para além das 18 mil palavras, da gastronomia, do saveiro [barco pequeno à vela], do azulejo, do número “0” na matemática, de “Fátima”, da música [do cante alentejano ao fado], da forma envolvente como os portugueses prestigiam os seus convidados, do relacionamento caloroso com pessoas de todo o mundo, para alcançarem a poesia, como forma de arte suprema das palavras e dos seus ritmos.

Muhammad ibn 'Abbad al-Mu'tamid, foi o terceiro e último dos reis Abádidas que governaram a Taifa de Sevilha no século XI, um dos poetas mais importantes do Al Andalus é, ainda hoje, homenageado (sobretudo) na literatura árabe.

Na sua corte, reuniram-se alguns dos maiores estudiosos e homens das artes da sua época, como o astrónomo al-Zarqali, o geógrafo Albacri ou os poetas Ibne Handis, Ibne Alabana e Ibne Zaidune.

Al Mu’tamid, nasceu em Beja [Alentejo, Portugal] em 1040, viveu a sua adolescência em Silves [Algarve, sul de Portugal], foi rei da Taifa de Sevilha [território que se estendia do sul de Portugal até Gibraltar, no sul de Espanha].

Já no exílio, escreveu o poema “Evocação a Silves”: 

“os queridos lugares de Silves; 
o Palácios das Varandas,
morada de leões e gazelas, 
o rio onde tantas vezes ficara 
preso nos jogos do amor
com a da pulseira curva,
Igual aos meandros da água
enquanto o tempo passava…”

Após perder o seu reino, foi desterrado para Aghmat, nos arredores de Marraquexe [Marrocos, norte de África].

Respeitado pelos súbditos e adorado pelos poetas que, mesmo à chegada a Tânger, já prisioneiro, lhe pediam proteção e apoio (diz a lenda, que lhes deu as suas últimas moedas, manchadas com o seu próprio sangue).

Despojado de tudo e vendo as filhas e a mulher Itimad, a sua musa, trabalhando como tecelãs para sobreviver, Al Mutamid interpelava o seu destino desta forma:

“Grilheta, não sabes que já sou teu?
Porque és dura e sem piedade?
Se esse ferro deste sangue já bebeu
E a minha própria carne já mordeu
Não me roas os ossos por maldade”. 

Homem de uma vida extremamente rica, transpôs para a poesia, tanto a exaltação da luxúria na sua juventude, como o poder do seu reinado e o seu trágico destino. Teve fim trágico, mas de um estoicismo impressionante.


Envolvência Histórica

Nascido em Beja, Al Mutamid, filho do rei Al Mutadide, também ficou conhecido pelo seu carácter cruel. Aos treze anos comandou uma expedição militar que esmagou uma revolta em Silves e, talvez por isso, o seu pai o tenha nomeado governador dessa região.

Em Silves, Al Mutamid conheceu Abenamar, um poeta nascido em Xanabo, localidade que talvez possa corresponder à atual Estômbar [Concelho de Lagoa, Algarve]. Entre os dois estabeleceu-se uma profunda relação. O poema "Evocação a Silves" pretende ser uma alusão à sua juventude, na companhia do seu amigo naquela cidade.

Em 1069, Al Mutamid sucedeu ao pai e uma das suas primeiras decisões, foi nomear Abenamar com o cargo de Vizir do reino [correspondente às funções de um primeiro ministro e conselheiro].

Abenamar ajudou-o na expansão do reino com a conquista de Múrcia [sudeste de Espanha] e Al Mutamid nomeou-o governador daquela região. Abenamar era profundamente ambicioso e por diversas vezes conspirou contra Al Mutamid. Abenamar chegou a usar as suas habilidades poéticas para escrever uma série de versos que ridicularizavam Al Mutamid e a sua amada, Itímada.

Al Mutamid acabaria por prender Abenamar e durante um ataque de fúria entrou na cela onde aquele se encontrava e matou-o à machadada.

Em 1085, o rei Afonso VI de Leão e Castela conquista a cidade de Toledo, o que representou um duro golpe para o Islão peninsular. Al Mutamid pede então ajuda a Iúçufe ibne Taxufine, emir dos Almorávidas do norte de África. O emir aceita e envia as suas tropas que derrotam os cristãos em 1086 na batalha de Zalaca.

Contudo, quatro anos depois, os cristãos contra-atacam e Al Mutamid renova o apelo ao emir; só que, desta vez, ibne Taxufine aproveita o convite para conquistar os reinos de taifas que existiam na península. Al Mutamid é feito prisioneiro e desterrado para Agmate, onde passará o resto da sua vida dedicando-se à poesia.

Morre em 1095 e é enterrado no cemitério local de Agmate. Posteriormente, a sua campa torna-se local de peregrinação de poetas, bem como das massas populares que o viam como um marabuto [venerado como um santo].

Em 1967 a família real de Marrocos mandou construir no local da sepultura de Al Mutamid, um mausoléu, homenagem póstuma àquele que é considerado um dos grandes poetas da língua árabe e do Al Andalus.




Letras para a Posteridade coletadas por
ANTÓNIO CUNHA

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