Desencontros pontuais


Por João Paulo Martins

O verão, como sabemos, é altura ideal para convívios entre familiares e amigos.

Às vezes, é a grande confusão, sobretudo quando inclui crianças pequenas, mas também, com frequência, trata-se apenas de uma roda de apreciadores em volta de um petisco. Quando entra o vinho nesta equação colocam-se vários problemas. Deixamos, no entanto, de lado a temperatura, a idade do dito, a escolha entre brancos e tintos para peixe ou carne ou mesmo a substituição de todos os vinhos por espumante. 

Hoje vamos falar apenas do tema da ligação entre o vinho e a comida. O assunto pode ser muito simples ou muito complicado, depende da abordagem. Pelo que já me foi dado ver em múltiplos almoços e jantares onde o tema era importante, a ligação perfeita entre o vinho e o prato exige muita experimentação. 

Muito dificilmente à primeira se consegue encontrar o match perfeito, e por isso, num restaurante com cuidados profissionais neste tema, tem de se experimentar o mesmo prato com vários tipos de vinhos para se encontrar ‘a’ ligação perfeita.

Dizer que o tinto liga com carnes e o branco com peixes ou marisco é uma banalidade, uma vez que, dependendo da confecção e dos temperos usados, a ligação pode ou não funcionar. Neste tema há também a considerar uma variável importante: eu posso querer dar a provar um vinho, por raridade, novidade ou qualquer outra razão, e isso pode ser fator mais importante do que o pairing [combinação/emparelhamento].

Nessas alturas, o prato tende a passar para segundo plano e é no vinho que concentramos a atenção. É errado? Do ponto de vista do pairing é, mas a maluquice dos vinhos raros, diferentes, originais e atrevidos pode levar-nos a cometer erros destes. Já fiz asneiras assim vezes sem conta e com certeza que irei continuar, uma vez que quando recebo alguém em casa é quase sempre no vinho que vou servir que penso em primeiro lugar.

A margem de entendimento entre vinhos e comidas é muito grande e, na maior parte dos casos, mesmo sem grande investigação ou estudo conseguimos uma boa ligação. Basta que alguns princípios sejam respeitados, e provavelmente o mais importante é mesmo o do equilíbrio entre o ‘peso’ do prato — onde vamos incluir o tempero, o nível de apuramento dos sabores e o próprio ingrediente principal (peixe ou carne) — e o peso do vinho; pratos fortes para vinhos fortes, pratos delicados com vinhos a condizer.

Depois, por contraste ou mesmo oposição, podemos tentar — mas aqui entramos na zona de risco — ligar pratos doces com vinhos ácidos e tintos velhos com sobremesas de ovos.

O risco está sempre presente, e há quem privilegie o convívio em detrimento da ciência do pairing. É o meu caso e não me tenho dado mal com isso. No entanto, e há que dizê-lo com frontalidade, quando se presencia um trabalho altamente profissional ficamos esmagados pela minúcia e precisão que tal trabalho exige. São mundos diferentes, em que o ‘vale tudo’ não deve ter cabimento, mas onde a tolerância, especialmente no verão, também tem o seu lugar.




Letras para a Posteridade coletadas por
ANTÓNIO CUNHA

Outras intervenções:


Comentários

Mensagens populares