Bom Crioulo
Por Rita
Cipriano
Em 1895,
Adolfo Caminha chocou os críticos com a publicação de um romance sobre um
marinheiro gay negro que se apaixona por um grumete loiro de olhos azuis. O
livro tem uma nova edição portuguesa.
Quando
Adolfo Caminha publicou, em 1895, Bom Crioulo, os
homossexuais e os negros não tinham lugar na literatura brasileira. Não é por
isso de estranhar que os críticos da altura não tenham sido brandos com o
segundo romance do escritor cearense, que relata a paixão louca e trágica de
dois oficiais da Marinha, um branco e outro negro.
Chamaram-lhe
de tudo — um livro “asqueroso”, “podre”, pornográfico e ignóbil
–, acusaram Caminha de não perceber nada de literatura e de, nas páginas da sua
obra, ter descrito a sua própria vida. Indignado, defendeu-se num texto que
veio a ficar famoso: a “julgar como certos imbecis” afirmavam que as “personagens
de um romance devem refletir o carácter do autor”, Flaubert, Zola e Eça de
Queiroz tinham praticado “incestos e adultérios monstruosos”. Eram
monstros e sobre monstros tinham escrito.
Apesar do
escândalo que a publicação de Bom Crioulo provocou
naquele ano de 1895, sobretudo no Rio de Janeiro, a morte precoce do seu autor
aos 29 anos fez com que o romance caísse no esquecimento. Só voltou a ser
editado, muito parcialmente, décadas depois, em 1936. O lançamento não caiu bem
à Marinha brasileira que, inicialmente, nem tinha dado conta da existência do
livro. Pediu-se então a sua proibição, com a justificação de que se tratava de
uma obra comunista. O que acabou mesmo por acontecer — durante a ditadura de
Getúlio Vargas, tornou-se num dos livros proibidos pelo Estado Novo.
Só na
década de 1950 é que Bom Crioulo voltou a ser
reproduzido com alguma dignidade, numa edição de Adriano da Gama Kury, que
restabeleceu o texto original, alterado significativamente por J. Fagundes 20
anos antes.
Foi,
contudo, nos anos 80 que o Brasil e o mundo despertaram para a obra, para o seu
autor e para a sua importância. Bom Crioulo foi então
alvo de inúmeras reedições e até traduções, recebendo boas críticas fora do
Brasil. Em 1982, quando saiu a edição em inglês da Gay Sunshine Press, foi
louvado por alguns críticos como o texto fundador da “literatura gay”
brasileira e não só. O tradutor, Edward Lacey, foi mais comedido: descreveu-o
como “uma das obras de ficção mais peculiares do século XIX”, numa
referência à “curiosa ambiguidade do trabalho” de Caminha, “que tem
inspirado muitas interpretações”, como salientou o investigador Robert
Howes. Considerado hoje um marco na literatura brasileira por ser o primeiro a
abordar abertamente a homossexualidade e a ter um negro como personagem
principal, o romance foi classificado por alguns — incluindo por Lúcio
Miguel-Pereira, autor de História da Literatura Brasileira — “o ponto alto
do naturalismo”, corrente da qual Caminha é considerado um dos grandes
representantes no Brasil.
Em
Portugal, Bom Crioulo sempre passou despercebido. Nunca
recebeu grande atenção da parte da crítica ou do público, e a maioria das
edições saíram já depois de 2000. A Sistema Solar publicou-o
em 2014, com prefácio de Aníbal Fernandes, e a Guerra & Paz no passado mês
de março (no âmbito da coleção “Grandes Clássicos”), com nota introdutória e
glossário de termos náuticos da responsabilidade de Ana Salgado. Na nota de
imprensa, a editora chamou a atenção para o facto de o romance ter sido “votado
ao esquecimento na primeira metade do séc. XX”, sendo hoje “traduzido em
todo o mundo”.
Adolfo
Caminha: singularíssimo, temperamental e abusado
Adolfo
Caminha foi, na opinião do seu biógrafo Sânzio de Azevedo, um dos poucos
romancistas brasileiros cuja vida se relacionou “estreitamente com a sua
obra ficcional”. Essa “existência breve e ao mesmo tempo atormentada”
ficou marcada por escândalos, posições controversas e publicações que deixaram
os críticos sem saber o que pensar ou dizer. Autor ligado ao Naturalismo — e
por muitos considerado um dos grandes nomes dessa corrente literária no Brasil
–, uma ramificação do Realismo, Caminha procurou sempre descrever as coisas tal
como elas eram — umas vezes bonitas, outras vezes cruéis. Porque, como ele
chegou a dizer, “o naturalismo é a própria vida interpretada pela arte”.
O que nem sempre foi bem visto pelos seus pares. O seu mau feitio, referido por
todos aqueles que o conheceram, aliado à polémica de alguns dos temas que
decidiu explorar, fizeram com que ganhasse fama de autor maldito. Papel para o
qual o seu terceiro romance, Bom Crioulo, contribuiu. E
muito.
Adolfo
Ferreira dos Santos Caminha nasceu a 29 de maio de 1867, na Rua do Comércio
(hoje Rua Coronel Alexanzito), em Aracati, no estado do Ceará. Filho de
Raymundo Ferreira dos Santos Caminha e de Maria Firmina Caminha, perdeu a mãe
quando tinha apenas dez anos, vítima da chamada Grande Seca do nordeste
brasileiro, que se estima que tenha provocado a morte de mais de 400 mil
brasileiros num só ano. Depois de uma temporada em casa de familiares em
Fortaleza, quando tinha 13 anos, Adolfo Caminha mudou-se para o Rio de Janeiro,
onde ficou a cargo do seu tio-avô Álvaro Tavares da Silva. Foi lá que, de
acordo com Sânzio de Azevedo, iniciou a sua carreira literária, publicando os
primeiros poemas na Fênix Literária. Depois de ter entrado para a Escola de
Marinha da Ilha das Enxadas, ao largo do Rio de Janeiro, em 1883, começou
também a publicar os seus textos na Revista Escola de Marinha.
Foi na
escola da Ilha das Enxadas que, aos 18 anos, Caminha cometeu o “seu primeiro
grande ato de rebeldia”, como lhe chamou Azevedo. Convidado para discursar
na homenagem a Victor Hugo, que tinha então morrido, o jovem decidiu aproveitar
a oportunidade para defender a liberdade e a democracia, lamentando, em tom
irônico, que o escritor francês não tivesse vivido o suficiente para assistir à
“marcha triunfal” do Brasil em direção à abolição e à república.
Fortunato Foster Vidal, comandante da Escola de Marinha, ficou furioso.
Felizmente para Caminha, o imperador Pedro II, que esteve presente na homenagem
dos marinheiros, desvalorizou a tirada, que atribuiu à juventude do estudante.
Esquecido o
incidente, Adolfo Caminha mergulhou na literatura. E o esforço deu frutos: no
ano seguinte, 1886, publicou o seu primeiro livro, Voos Incertos,
enquanto servia a bordo do navio Solimões. Tinha apenas 19 anos. A este — o
único de poesia — seguiu-se, em 1887, Judite e Lágrimas
de um Crente, duas coletâneas de contos. Estas três primeiras obras
são, segundo o escritor e crítico literário Sânzio de Azevedo, que tem
trabalhado na reedição dos romances do escritor cearense, livros “fraquíssimos”.
“São românticos e fracos de mais. Nunca foram reeditados nem merecem sê-lo.”
Outra produção mais interessante, datada do mesmo ano, é o conto “A Chibata”.
Publicado na Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro, foi o primeiro texto em que
Caminha condenou abertamente a chibata, uma prática violenta usada para
repreender os marinheiros malcomportados. Nos anos seguintes, voltaria várias
vezes ao tema, sempre para apontar a crueldade do castigo corporal. Foi, aliás,
com essa prática que abriu o romance Bom Crioulo.
Adolfo
Caminha, que haveria de morrer vítima de tuberculose, começou a sentir os
primeiros sintomas da doença em 1888. Temendo que estes se agravassem, pediu
nesse ano transferência para Fortaleza, onde o clima era mais seco. Ao início,
tudo correu bem. Até que o escritor conheceu Isabel Jataí de Paula Barros, dois
anos mais nova. Apaixonaram-se e tornaram-se amantes. Mas havia um problema:
Isabel já era casada com Fausto Augusto de Paula Barros, um alferes do Exército
de 33 anos. “O idílio começou com todas as secretas cautelas, tímido a
princípio, mais tarde audacioso e imprudente”, contou Frota Pessoa, amigo
próximo de Caminha, que lhe dedicou um capítulo no livro Crítica e Polêmica,
publicado em 1902, já depois da sua morte. “Nasceram ponderadas suspeitas no
espírito do marido”, que culminaram numa discussão com Isabel, de 19 anos.
Furiosa com Fausto, com o casamento que se via obrigada a manter e com toda a
situação, Isabel decidiu sair de casa e ir bater à porta do amante. Ao vê-la
ali, Adolfo Caminha pegou-lhe na mão e levou-a para casa de uns amigos, onde a
deixou em segurança. Os dois amantes atravessaram de braço dado a cidade de
Fortaleza.
Isabel
nunca mais voltou para o marido e o caso tornou-se público. Na mesma obra de
1902, Frota Pessoa relatou que, perante a indignação dos seus colegas da
Marinha, “a oficialidade da guarnição tomara atitude”, dirigindo-se ao
ministro e “pedindo” a “retirada urgente” de Caminha do Ceará. “Ou
isso, ou uma desgraça, que ninguém poderia evitar, aconteceria.” Depois de
muitas pressões, Adolfo Caminha decidiu sair pelo próprio pé. Apresentou
demissão e, por intermédio de um tio, arranjou um cargo no Tesouro Nacional,
trabalhando até ao final da vida como funcionário público.
Como
afirmou o biógrafo Sânzio de Azevedo em entrevista ao canal de televisão da
Assembleia do Ceará, em 2017, “Adolfo Caminha era cheio de altos e baixos”,
descrição que parece ir de encontro à opinião de quem o conheceu. Em Crítica e
Polêmica, Frota Pessoa descreveu-o como tendo um jeito especial para fazer
inimigos e Antônio Sales — que durante algum tempo se contou entre estes —
achava-o “arroubado, birrento e rancoroso”. Um obituário publicado pouco
depois da sua morte, assinado por um “Léo”, dizia que “o carácter de
Adolfo Caminha, que poucos conheciam pessoalmente e com quem raríssimos
privaram na intimidade”, era “singularíssimo”. Por outras palavras:
Caminha era “temperamental e abusado”. De dificílima convivência, como
mostra o desentendimento que teve com Sales e um outro escritor, Rodolfo
Teófilo, por altura do lançamento da sua Revista Moderna.
O
“enjeitado”, a quem é impossível tirar o mérito
Adolfo
Caminha criou a Revista Moderna em 1891, por considerar que não havia boa
crítica literária no Ceará. Sem perder tempo, o escritor usou os primeiros
números para condenar o trabalho de Antônio Sales, que tinha então publicado
Versos diversos, o seu livro de estreia, e Rodolfo Teófilo, cujo romance A fome
tinha também acabado de sair. No caso do primeiro, chegou mesmo ao ponto de
desafiar o autor, num artigo publicado no jornal O Estado do Ceará,
para “um tour de force em prosa ou verso”, com direito a juízes,
padrinhos, testemunhas e tudo, como se de um verdadeiro duelo se tratasse.
Sales, porém, parece não ter levado os insultos a sério já que, em 1892,
precisamente um ano depois da polémica da Revista Moderna, decidiu convidar
Caminha para integrar a “Padaria Espiritual”, um grupo que tinha formado
juntamente com outros artistas em Fortaleza. Constituída por escritores,
pintores e músicos, que costumavam reunir-se nos cafés do centro da cidade,
como o Café Java, a “Padaria Espiritual” tinha por objetivo despertar o
interesse dos fortalezenses para a literatura e as artes. O grupo chegou até a
ter um jornal oficial, O Pão, do qual foram publicados 36 números
até à sua falência em 1896. Caminha chegou a colaborar numa das secções — a “Sabatina”
–, mas sem nunca ter chegado a ocupar um lugar de destaque dentro do grupo.
Foi ainda
no Ceará que Adolfo Caminha começou a escrever o seu primeiro romance, A
Normalista, que viria a publicar apenas em 1893, depois de regressar
definitivamente ao Rio de Janeiro para ocupar o cargo de 3.º oficial do Tesouro
Nacional. A obra, hoje considerada uma importante representante do Naturalismo
brasileiro, relata a triste história de Maria do Carmo, uma jovem ingénua que é
entregue pelo pai ao padrinho (um homem de carácter duvidoso chamado João da
Mata), que passa ser responsável pela sua educação. Maria muda-se então para
Fortaleza, onde se apaixona pelo filho de um coronel, Zuza, que estuda Direito
no Recife. Tomado por violentos ciúmes, João da Mata viola a sobrinha e
engravida-a. Desonrada, Maria vê-se obrigada a casar com um alferes da polícia
e a esquecer o romance com Zuza.
O romance —
que denuncia a sordidez da sociedade fortalezense de finais do século XIX —
terá sido inspirado, de acordo com Robert Howes, no caso verídico de uma jovem
seduzida pelo seu tutor em Fortaleza. Este atingiu algum sucesso, mas foi
considerado “libidinoso” pela crítica. Um comentário usual aos livros de
Caminha que, ao longo da sua carreira, explorou temas pouco convencionais como
o adultério, o abuso sexual ou a traição, sempre com referências a lugares por
onde passou, como apontou Regina Dalcastagnè em “Retrato sem parede: o Bom
Crioulo de Adolfo Caminha”. “Apesar de serem, até certa medida,
temas usuais na ficção romântica, estes parecem ter tido particular ressonância
em Caminha, que certamente não era um apologista da moralidade convencional, na
sua vida ou no seu trabalho”, referiu Howes em “Race and Transgressive
Sexuality in Adolfo Caminha’s Bom Crioulo”.
Mas o
escritor não se deixava desanimar pelas críticas: passado apenas um ano
de A Normalista, publicou o seu segundo romance, No País
dos Ianques, inspirado na viagem de instrução que fez aos Estados Unidos da
América em 1886, a bordo do cruzador Almirante Barroso. A este seguiu-se Bom
Crioulo, publicado no mesmo ano que Cartas Literárias, volume que reúne
os artigos que o escritor publicou revistas e jornais, como o Gazeta de
Notícias e O País, sob o pseudónimo C.A. (que alguns acreditavam pertencer ao
jornalista Constâncio Alves ou ao historiador Capistrano de Abreu) em anos
anteriores. Entre estes contavam-se as duras críticas feitas em 1891 a António
Sales e Rodolfo Teófilo. Alguns investigadores acreditam que esta foi a gota de
água numa relação já por si frágil, tendo levado à saída definitiva do
definitiva do autor do grupo “Padaria Espiritual”.
Sarah
Ipiranga, professora de literatura na Universidade Estadual do Ceará, explicou
num artigo publicado no blog do jornal O Povo que a crítica
literária de Cartas Literárias e a narrativa de viagens (explorada em No
País dos Ianques) não eram géneros “férteis no Brasil do século XIX, o
que mais uma vez assegura a argúcia do escritor”. “Ambos de valor
testemunhal, aproximam-se dos chamados ‘relatos do eu’, em que o narrador
possibilita ao leitor acompanhar os passos da sua formação”, afirmou. Além
disso, numa altura em que a literatura brasileira procurava aproximar-se mais
da europeia, sobretudo da francesa, Caminha escolheu os Estados Unidos como
pano de fundo para um dos seus romances, o que, para Ipiranga, demonstra mais
uma vez a capacidade do autor de ver “mais à frente”.
Em 1896,
Adolfo Caminha decidiu lançar uma nova publicação, A Nova Revista,
que circulou entre janeiro e setembro. Controverso até ao fim, usou as páginas
da revista para continuar a “exercitar o seu espírito polémico”, como
escreveu Sânzio de Azevedo, e para defender a obra que considerou ter sido
injustamente atacada no ano anterior, Bom Crioulo. O texto
ficou famoso. Entre números, começou também a escrever Tentação,
romance que só seria editado depois da sua morte, em 1897, e alguns contos. De
acordo com Frota Pessoa, terá também dado início à tradução do teatro de Honoré
de Balzac e aos primeiros rascunhos de “duas histórias”, por ele
anunciadas. Fragilizado pela doença, Adolfo Caminha acabou por morrer a 1 de
janeiro de 1897, na sua casa do Rio de Janeiro, quatro meses antes de completar
30 anos. Pessoa, que o visitou no leito de morte, lembrou, no seu livro de
1902, a “melancólica expressão dos seus olhos febris, a indefinível
expressão do seu sorriso triste, a lancinante, a dolorosa expressão da sua voz
pausada e surda”, que recebeu “na alma” e guardou “para sempre”
na memória.
A morte do
escritor foi noticiada por alguns jornais brasileiros, mas o autor cearense
depressa caiu no esquecimento. Sânzio de Azevedo acredita que isso se deveu
sobretudo à “aura de antipatia criada pelos seus arroubos iconoclastas”.
Só várias décadas depois é que Adolfo Caminha viria a receber a atenção
merecida, sobretudo a partir de 1933, data em que o crítico literário Agrippino
Grieco sugeriu a reedição dos seus romances esquecidos. Apesar da proibição da
reedição de Bom Crioulo durante a ditadura, em 1941,
Valdemar Cavalcanti publicou na Revista do Brasil o artigo “O enjeitado
Adolfo Caminha”, que reivindicou definitivamente o escritor como um dos
mais importantes no Brasil do final do século XIX. É que, como escreveu
Azevedo, “é impossível tirar-lhe o mérito”. Romancista “criativo,
audacioso, experimentalista”, Caminha deixou um legado único, e por isso
merece um lugar de honra entre os nomes grandes da literatura brasileira.
Um “livro
podre”, um “romance vómito”
Em traços
gerais, Bom Crioulo conta a história de Amaro, um
escravo fugido que encontra a liberdade por que sempre ansiou, a bordo de um
navio da Marinha brasileira — um lugar onde “não se olhava a cor ou a raça”,
onde “todos eram iguais” e “tinham as mesmas regalias”. Bom
trabalhador, Amaro depressa ganha a confiança e o respeito dos seus superiores,
recebendo a alcunha de “Bom Crioulo” devido à sua personalidade
meiga. Aos poucos e poucos, começa a ganhar fama “em todos os navios”,
sobretudo pela sua grande destreza física. Em força, não havia quem o
igualasse.
Durante os
primeiros anos de serviço, tudo corre dentro da normalidade. Até que um dia, “tudo
começa a desandar”, e Amaro torna-se preguiçoso e indisciplinado. No navio
em que presta serviço — a “velha e gloriosa corveta” –, começam a surgir
boatos entre os marinheiros: “Diziam uns que a cachaça estava deitando a
perder ‘o negro’; outros, porém, insinuavam que Bom Crioulo tornara-se
assim, esquecido e indiferente, desde que ‘se metera’ com o Aleixo, o tal
grumete, o belo marinheiro de olhos azuis que embarcara no sul.” Não podiam
estar mais certos — por causa dele, Amaro estava a ficar “sem vergonha”.
Aleixo — um “belo” grumete loiro “de olhos azuis”, muito claros —
era “muito querido de todos”, mas “diziam-se ‘coisas’” sobre ele.
Oriundo de uma família pobre de pescadores, o seu trabalho consistia em colher
cabos, arear os metais e, por vezes, fazer a ronda da noite. Tímido e ingénuo,
tenta a princípio evitar as investidas de Bom Crioulo. Mas
Aleixo acaba por ceder, certa noite, no passadiço, dando-se assim o primeiro
passo em direção à queda de Bom Crioulo.
Perdidamente
apaixonado pelo “belo marinheirito” de olhos azuis, Amaro convence-o a
partilharem um quarto no Rio de Janeiro. É aqui que entra a terceira personagem
da trama: D. Carolina. Carolina “era uma portuguesa que alugava quartos na
Rua da Misericórdia, somente a pessoas de ‘certa ordem’, gente que não se
fizesse de muito honrada e de muito boa”. Ex-prostituta (nos seus tempos
áureos era conhecida como Carola Bunda), “não fazia questão de cor e
tampouco se importava com classe ou profissão”. Tinha uma profunda amizade
por Amaro, que tinha conhecido anos antes, depois de este a ter livrado de um
assalto. Mulher independente, quarentona, D. Carolina acaba por cair de amores
por Aleixo, com quem inicia uma relação secreta. A história, claro está, acaba
mal: depois de descobrir o caso, cego de ciúme, Bom Crioulo assassina
o jovem marinheiro em frente à casa onde os dois viveram aquele amor idílico,
condenado ao fracasso.
Publicada
em 1895 — no mesmo ano em que Oscar Wilde foi julgado em Inglaterra pelo crime
de sodomia –, a trágica história de amor dos dois marinheiros chocou alguns
críticos do Rio de Janeiro, que atacaram violentamente o romance e o próprio
autor. A homossexualidade não era tema que se tratasse na literatura brasileira
de finais do século XIX, muito menos naqueles moldes. Contudo, de um modo
geral, pode-se dizer que a publicação de Bom Crioulo passou
despercebida. Durante a sua investigação, Robert Howes, autor de “Race and
Transgressive Sexuality in Adolfo Caminha’s Bom Crioulo”, não
encontrou evidências “de qualquer tentativa de banir a primeira edição do
romance apesar de as edições posteriores terem sido alvo de algum assédio”.
Além disso, “a maioria dos diários” parece tê-lo ignorado por completo.
Entre eles contava-se O País, o jornal brasileiro de maior circulação onde
Caminha tinha publicado anonimamente algumas das suas duras críticas
literárias. O diário revelou ter recebido um exemplar da obra a 12 de novembro
de 1895, não chegando, porém, a publicar qualquer artigo sobre o romance.
No Gazeta
de Notícias também não foi feita qualquer referência a Bom Crioulo,
enquanto no Cidade do Rio saiu apenas uma “crítica simpática”, assinada
pelo jornalista Alves de Faria, que chamava a atenção para o facto de o
escritor não ter evoluído muito desde a publicação de A Normalista, dois anos
antes. Porém, Faria considerou que a obra tinha algumas boas cenas e que, “apesar
desse processo naturalista tão explorado, de escrever atos indecentes, reais,
mas repulsivos”, o romance era capaz de não desagradar “ao leitor”.
O surpreendente nesta crítica é que não foi ao encontro da opinião dos críticos
literários do Jornal do Comércio e d’A Notícia. Baseando-se sobretudo na forma
como a questão da homossexualidade dos dois protagonistas tinha sido abordada
por Caminha, os jornalistas acusaram o autor de ter escrito uma obra obscena,
sem valor nenhum, baseada em eventos da sua própria vida, que teriam ocorrido
durante os oito anos que passou na Marinha de Guerra brasileira.
A primeira
destas críticas saiu na edição de 20 e 21 de novembro de 1895, na coluna “Semana
Literária” do jornal A Notícia. Nesta, Valentim Magalhães — que viria a
fundar juntamente com outros escritores a Academia Brasileira de Letras, em
1897 –, que assinava como V.M., defendeu que Bom Crioulo excedia
“tudo quanto se possa imaginar de mais grosseiramente imundo”. “Não é
um livro travesso, alegre, patusco, contando cenas de alcova ou de bordel, ou
noivados entre as ervas, à lei do bom Deus, como no Germinal… Nada disso”,
afirmou Magalhães, um dos mais celebrados críticos brasileiros. “É um
livro asqueroso porque explica — primeiro a fazê-lo, que eu saiba — um ramo de
pornografia até hoje inédito por inabordável, por antinatural, por ignóbil. Não
é, pois, somente um livro faisandé: é um livro podre; é o romance-vómito, o
romance-poia, o romance-pus.”
Acusando o
escritor, então com 28 anos, de ser um “moço inconsciente, por obcecação
literária ou perversão moral”, o crítico defendeu que só assim se poderia
explicar o facto de Caminha ter “achado literário tal assunto” e “de
ter julgado que a história dos vícios bestiais de um marinheiro negro e boçal”
— isto é, recém trazido de África — podia ser “literariamente interessante”.
Magalhães, que esperava que o romance “falasse em nome dos negros
brasileiros e os tentasse reabilitar”, enfatizando “as suas qualidades
físicas e psíquicas” — como apontou Robert Howes em “Race and
Transgressive Sexuality in Adolfo Caminha’s Bom Crioulo” –,
disse ter encontrado em Bom Crioulo “unicamente um
negralhão bronco, analfabeto, completamente instintivo, e aberrantemente
vicioso”. Além disso, era óbvio para Valentim Magalhães que o livro de Adolfo
Caminha era um relato das experiências do próprio na Marinha. De literatura
tinha pouco.
Outro duro
crítico de Caminha parece ter sido José Veríssimo. Num texto anónimo publicado
na edição de 27 de novembro de 1895 do Jornal do Comércio, que se acredita ser
da sua autoria, Veríssimo, diretor do Ginásio Nacional e um dos mais
respeitáveis críticos brasileiros — e também futuro cofundador da Academia
Brasileira de Letras –, fez questão de frisar que Bom Crioulo era “pior do
que um mau livro”. “É uma ação detestável, literatura à parte”,
afirmou. “Como quer o Sr. Adolfo Caminha que seja respeitado e estimado um
homem que, sem utilidade alguma social, passou longos dias ocupado em analisar
e discutir a psicologia improvável de nauseantes crimes contra a natureza e
tenta depois com isso despertar em nós o arrepio da curiosidade impura e
mórbida?” Mas nem tudo era mau para Veríssimo. Mais à frente no mesmo
artigo, o jornalista admitiu que “se fosse um professor de composição
literária, fazendo abstração do tema escolhido, que era ‘baixamente
repugnante’, aplaudiria certas partes pelo estilo vigoroso e claro, embora por
vezes incorreto, e lhe daria uma nota de progresso”.
Francisco
Pacheco, um republicano português recentemente chegado ao Brasil, saiu em
defesa de Caminha, de quem era amigo. Foi, de acordo com Robert Howes, o único
a tomar publicamente partido do escritor cearense. Num dos números da Arcadia:
Revista d’ Arte, Pacheco escreveu que “o assunto” do romance era
“escabroso” e que a história não passava de “um corriqueiro caso de
pederastia”, que “Carolina, a boa portuguesinha, transverteu”. “O
Bom Crioulo é inegavelmente uma belíssima obra realista. Caminha desenvolveu,
com uma calma admirável o escabrosíssimo tema pederasta, do qual vários homens
de reputação científica e literária se hão ocupado”, afirmou o português.
Todos os
grandes escritores “chafurdaram na crápula”
José
Veríssimo acreditava que Caminha haveria de se arrepender de ter publicado “literatura
pornográfica e obscena”, mas não foi isso que aconteceu. Em vez disso,
indignado com as críticas dos dois jornalistas do Rio de janeiro, saiu em
defesa da sua obra, publicando, a 2 de fevereiro de 1896, no número dois d’A
Nova Revista, por ele fundada, o artigo “Um Livro Condenado”. Neste,
reproduzido na nova edição de Bom Crioulo da editora Guerra & Paz, Adolfo
Caminha considerou que a crítica brasileira de então — em especial a do Rio de
Janeiro — estava “entregue ao diretor de uma companhia de seguros de vida”,
formado em Direito Económico e Administrativo, e “ao chefe de um
estabelecimento nacional de instrução”, doutorado em Pedagogia. O “diretor
de uma companhia de seguros de vida” era Valentim Magalhães, o outro José
Veríssimo. O primeiro, formado em Direito pela Faculdade do Largo de São
Francisco, em São Paulo, tinha aberto uma empresa de seguros depois da
proclamação da República brasileira, em 1889, acabando por levá-la, mais tarde,
à falência. José Veríssimo, associado à corrente naturalista e considerado um
dos mais importantes críticos literários brasileiros, tinha sido diretor de
instrução do Pará. Na altura da publicação de Bom Crioulo, era diretor do
Ginásio Nacional.
Para
defender o seu romance, Caminha baseou-se sobretudo no conceito de Naturalismo,
um movimento literário e artístico da segunda metade do século XIX que — como
explica Ana Castro Salgado na nota introdutória à edição da Guerra & Paz —
“advoga a descrição dos factos observáveis da forma mais objetiva possível,
sem idealizações nem preconceitos morais ou estéticos”. Era nesta corrente,
que o escritor definiu como “a própria vida interpretada pela arte”, que
Bom Crioulo se enquadrava. “E, sendo o romance a forma mais natural da arte,
claro está que só é imoral quando não apresenta caracteres da obra artística”,
afirmou. Dando como exemplo obras de escritores como Gustave Flaubert, Émile
Zola, Joris-Karl Huysmans, Guy de Maupassant e até do português Eça de Queiroz,
Caminha considerou, ironicamente, que “todos os grandes escritores, todos
os grandes artistas da palavra, renegam a moral, chafurdam na crápula,
tornam-se desprezíveis e indignos da consideração pública”. Ele não era
exceção.
Argumentando
que a “guerra à verdade na arte” já vinha de trás, Adolfo Caminha
considerou que ainda não tinha saído “dos prelos obra naturalista que não
fosse taxada de imoral, desde que o grande Balzac atirou à circulação o seu
primeiro livro de análise”. Referindo-se às críticas que insinuavam que Bom
Crioulo tinha sido inspirado em experiências pessoais, Caminha voltou a dar
como exemplo outros escritores naturalistas, afirmando que, “a julgar como
certos imbecis”, Flaubert, Zola e Eça de Queiroz “praticariam incestos e
adultérios monstruosos”. A verdade é que, como apontou Robert Howes em “Race
and Transgressive Sexuality in Adolfo Caminha’s Bom Crioulo”, não existem
quaisquer indícios, na obra ou na vida do autor, de que Caminha fosse
homossexual. Uma das provas em contrário, que costuma ser apontada pelos
especialistas, é a forma como Caminha prejudicou a sua carreira na Marinha por
causa de Isabel Jataí, a quem dedicou o livro Cartas Literárias: “A Isabel
C***. Quero que o nome dela fulgure como uma legenda de ouro à primeira página
de meu livro”. O amor entre os dois parecia ser sincero.
O mais
provável é que, ao contrário do que argumentaram os críticos literários, Adolfo
Caminha se tivesse inspirado nas observações da vida a bordo, durante os anos
que esteve na Marinha, e em casos reais. Foi isso, aliás, que deu a entender em
“Um Livro Condenado”, ao escrever que “a crítica desejava que ele
escrevesse ‘um livro travesso, alegre, patusco, contando cenas de alcova ou de
bordel (textuais) ou noivados entre as ervas à lei do bom Deus’!… Mas como, em
vez disso, apresentou uma obra estudada, um livro bem-intencionado e
verdadeiro, uma análise da vida, os críticos, mordidos na sua impotência de
rodapeístas, fizeram de D. Quixote e juraram dar cabo do escritor que,
ousadamente, preferiu o escabroso tema do Bom Crioulo às tais ‘cenas de alcova
e de bordel’.” Interrogando quando acabaria “a dinastia dos La Palisse”,
o autor terminou a sua defesa dizendo que “enquanto o Brasil foi
literariamente governado por homens que em outro qualquer país nenhuma ação
teriam sobre os espíritos, dominará a literatura de bric-à-brac, e o fertilismo
Sr. Xavier de Montépin [um popular romancista francês] arrancará
lágrimas à crítica nacional”.
É mais ou
menos unânime que uma das histórias que serviu de base para o romance foi o
chamado “Crime do Largo do Mitelo” ou “Caso Martinho da Cruz”,
ocorrido em Lisboa, a 22 de abril de 1886. Nesse dia, António Candido Pereira,
um cadete de 21 anos da Escola do Exército, foi assassinado por um alferes de
24 anos, Martinho da Cruz, junto à instituição, no Largo do Mitelo. À medida
que os jornais começaram a investigar o caso, chegou-se à conclusão que o
incidente tinha sido provocado por uma crise de ciúmes. Segundo informações
recolhidas pelo Diário Popular, um jornal lisboeta, António Pereira — um rapaz
“muito branco, aloirado, de olhos grandes”, natural do Funchal — teria
sido convidado por Martinho da Cruz, de uma família de classe média de
Portalegre, para ir viver com este num quarto alugado em Lisboa. Pereira, que “era
muito pobre”, aceitou. Não tardou até começarem a surgir boatos sobre os
dois, o que levou Pereira a ir viver sozinho e a cortar todas as relações com o
alferes, que não terá ficado muito contente com a decisão do colega. O
assassinato teria acontecido depois de Martinho da Cruz, que “abusava das
bebidas alcoólicas”, ter descoberto que o cadete tinha arranjado uma
namorada.
É
impossível não reparar nas semelhanças do “Caso Martinho da Cruz” com o
enredo de Bom Crioulo (até a descrição de António se assemelha à de Aleixo),
mas Caminha poderá ter sido inspirado ainda num outro crime. Em março de 1888,
foi noticiado nos jornais do Rio de Janeiro que um grumete negro de 16 anos
teria sido assassinado. De acordo com os relatos algo confusos da altura, o
rapaz, André Nogueira, teria sido encontrado morto na Rua da Misericórdia — a
mesma onde Aleixo é assassinado por Amaro. Acabou por se descobrir que o
marinheiro tinha, afinal, desertado.
Todas estas
histórias causaram escândalo na altura, por isso não é de admirar que o romance
de Caminha também o tenha provocado. Mas se ele sabia disso, por que é que
decidiu escrever sobre um tema interdito? É difícil de dizer. César
Braga-Pinto, professor de literatura espanhola e brasileira da Northwestern
University que estudou a obra a fundo, considera até que não há “uma
resposta simples a isso”. “Há, no final do século, grande interesse da
psicologia nos chamados desvios sexuais. Enquanto romance naturalista, que tem
ambições científicas, Bom Crioulo insere-se nessa vaga”. “Ainda assim, é
curioso, pois [o tema] não deixa de ser tabu, e em outras
literaturas é raro.” Leandro Valentin, autor de “A recepção crítica e a
representação da homossexualidade do romance Bom-Crioulo, de Adolfo Caminha”,
acredita que talvez tenha sido a “perspectiva adotada pelo escritor sobre o
trabalho artístico” e a crença de que a arte está subordinada à ciência o
motivo que levou Caminha a escolher como tema um “assunto que era grande
tabu na época” e que “o próprio autor condenava”.
O primeiro
romance homoerótico? Talvez não
Bom Crioulo
parece ser um romance à frente do seu tempo. No Brasil, foi o primeiro a tratar
com alguma profundidade um relacionamento entre dois homens e a ter um protagonista
negro. Só que, ao contrário do que se possa pensar, a obra de Adolfo Caminha
não trata de forma positiva nenhum dos temas. Isso é visível na forma como
aborda a própria homossexualidade. Num dos capítulos, ao se aperceber da sua
paixão por Aleixo, Amaro, o “Bom Crioulo”, diz para si próprio que nunca
se tinha percebido “de semelhante anomalia”, um “castigo” que lhe
era imposto pela “natureza”. Quando o amor dos dois marinheiros é
consumado, Caminha termina o parágrafo falando num “delito contra a natureza”.
Esta sua posição em relação à homossexualidade ficou ainda mais clara no texto
que escreveu em defesa do seu romance. Em “Um Livro Condenado”, Adolfo
Caminha explicou que Bom Crioulo era um livro em
que se estudava e condenava “o homossexualismo” — termo usado para
definir a homossexualidade como uma patologia — e que nas suas páginas não
existia uma única palavra de apoio ou de defesa, sendo por isso menos “pernicioso”
do que outras obras que por ali andavam “pregando, em tom filosófico, a dissolução
da família, o concubinato, o amor livre e toda a espécie de imoralidade social”.
Para
consolidar esta posição, Caminha recorreu à ciência. Na altura da publicação de
Bom Crioulo, multiplicavam-se as pseudoteorias científicas que procuravam
explicar questões ligadas à psicologia e à sexologia, áreas ainda em
desenvolvimento. Estas doutrinas, hoje absurdas, serviam muitas vezes de base à
literatura, nomeadamente a autores ligados às correntes realista e naturalista,
onde Caminha se enquadra. Ele próprio fez questão de frisar que, para construir
o enredo de Bom Crioulo, recorreu às “observações da ciência”, às obras
de Amboise Tardieu (professor de Medicina Legal na Faculdade de Paris) e Albert
Moll (psiquiatra alemão considerado o pai da sexologia), às quais acrescentou
as suas próprias considerações. Por essa razão, a história de Amaro e Aleixo
não passava de “nada mais do que um caso de inversão sexual estudado por
Krafft-Ebbin, em Moll, em Tardieu e nos livros de Medicina Legal”. Apesar
de, obviamente, não poder haver certezas (e até de se poder colocar a hipótese
de que “Um Livro Condenado” espelhasse a “necessidade social da
condenação do ato homossexual”, nas palavras de Regina Dalcastagnè), isto
significa que a visão de Caminha poderia não ser muito diferente da dos seus
contemporâneos.
Para César
Braga-Pinto, autor de “Othelo’s Pathologies: Reading Adolfo Caminha with
Lombroso”, o romance de Caminha deve ser entendido como uma “interseção
entre o naturalismo, o discurso científico, o decadentismo e a literatura
popular do século XIX” e deve ser lido à luz das teorias científicas da
época, nomeadamente das que foram exploradas por Cesare Lombroso, antropólogo
criminal italiano “amplamente lido, admirado e comentado no Brasil”
admirado pelo escritor cearense. Lombroso acreditava que a homossexualidade era
um “crime” — um “pecado” —, que podia indicar a “natureza
criminosa ou a degeneração do organismo” de um homem. Na base desta ideia —
e de muitas outras que surgiram no mesmo período — estavam as teorias da
degeneração, um conceito nascido dos trabalhos do zoologista Jean-Baptiste
Lamarck e do psiquiatra Bénédict Morel, autor de Traité des dégénérescences
(1857). Segundo estas teorias, os organismos eram capazes de se adaptar às
influências negativas do exterior. Isso fazia com que, a longo prazo, se
tornassem autodestrutivos.
Na segunda
metade do século XIX, numa altura que tanta coisa estava ainda por esclarecer e
descobrir, a degeneração tornou-se na explicação óbvia para muitos fenómenos
biológicos, psicológicos e até sociais, para os quais não havia aparente
justificação. Muito populares entre os europeus, e sobretudo entre os
franceses, as teorias da degeneração avançadas por Lamarck e Morel depressa
deram origem a doutrinas mais extremistas (as de Lombroso são apenas um de
muitos possíveis exemplos), contribuindo para “o pessimismo cultural que
marcou a Europa do final do século”, como apontou Robert Howes em “Race
and Transgressive Sexuality in Adolfo Caminha’s Bom Crioulo”. Sabemos que “Caminha
não só lia Lombroso, como elogiava repetidamente as suas teorias”, como
apontou Braga-Pinto. Por essa razão, as semelhanças entre as ideias que
explorou em Bom Crioulo e as teorias do antropólogo italiano não são mera
coincidência, como tentou provar o investigador em “Othello’s Pathologies:
Reading Adolfo Caminha with Lombroso”. Além disso, num dos artigos da coletânea
Cartas Literárias, Caminha admitiu que, apesar de admirar Zola, não concordava
com as ideias deste em relação à hereditariedade (que desempenhava um papel
importante no destino das suas personagens, como a protagonista de Nana). A
orientação sexual e a raça, como eram entendidas à luz das teorias científicas
da época, não interessavam a Émile Zola e aos naturalistas franceses. As suas
obras raramente incluíam personagens explicitamente homossexuais.
Para
escrever Bom Crioulo, Adolfo Caminha ter-se-á, portanto, inspirado noutros
escritores. Em “Um Livro Condenado”, para comprovar que “o assunto do
Bom Crioulo” não era “novo em literatura”, o escritor deu como
exemplo o romance O Barão de Lavos, do português Abel
Botelho. Botelho foi um escritor, político e diplomata português que publicou,
entre 1891 e 1910, uma série de cinco livros dedicada aos males que, na sua
opinião, afetavam a sociedade portuguesa de finais do século XIX. O primeiro
desses romances, O Barão de Lavos (que também foi alvo de uma análise de Robert
Howes), tinha a homossexualidade masculina como tema. O livro conta a história
de Sebastião de Castro e Noronha, o Barão de Lavos, e de Eugénio, um jovem
vendedor de cautelas. Este, seduzido pelo nobre no Passeio Público, em Lisboa,
acaba por ir viver para uma casa do barão, que acaba por cair de amores pelo
vendedor. Apercebendo-se da sincera afeição de Sebastião, Eugénio decide
explorá-lo. O esquema começa a correr mal quando conhece a mulher do amante e
se apaixona por ela. Depois de descobrir a verdade, Sebastião inicia uma queda
vertiginosa. Arruinado, é morto por um grupo de jovens delinquentes. Depois de
O Barão de Lavos, Abel Botelho ainda voltou uma outra vez ao tema. O segundo
romance da sua série, intitulada Patologia Social, O Livro de Alda, fala da
homossexualidade feminina e tem como personagem principal uma prostituta
lésbica, Alda, que o narrador descreve como sendo alguém que sofre de uma “aberração
moral”, tal como Sebastião de Castro e Noronha.
O livro
teve alguma popularidade, como mostra a existência de uma segunda edição sete
anos depois, em 1898. No prólogo, Botelho explicou que o que pretendia com os
dois primeiros romances de Patologia Social era fazer uma “análise de dois
exemplares humanos tiranizados pela diátese das faculdades afetivas”, isto
é, de duas doenças mentais. De acordo com o autor — que provavelmente terá
recorrido a artigos científicos para escrever os dois livros, tal como Caminha
–, estas ocorriam devido um desequilíbrio das faculdades mentais, que provocava
“desequilíbrios, aberrações e anormalismos patológicos”. Eram estes “o
objeto dos estudos” da sua “série de romances”. Na defesa que
publicou no início de 1895, pouco antes de morrer, Caminha escreveu que, ao
contrário do que aconteceu com Bom Crioulo, as “quinhentas e tantas páginas
de psicopatia sexual” de Abel Botelho mereceram “o respeito e a
admiração da sociedade em que vive, porque lá, em Portugal, há um critério
firme no julgamento da obra de arte”.
No que diz
respeito à literatura luso-brasileira, apesar de não se puder “postular uma
uniformidade do tratamento deste tópico”, Anna Klobucka, professora na
University of Massachusetts, explicou que existem, “certamente, traços
comuns, decorrentes do contexto epistemológico partilhado”, onde se incluem
os “conhecimentos científicos ou pseudocientíficos emergentes e em evolução”,
e “dos estilos literários em voga na época”, o Realismo e o Naturalismo.
“O mais predominante destes traços comuns será o sistema de vasos
comunicantes que se instala entre as novas ciências emergentes do sujeito
humano (psicologia e sexologia) e a escrita literária, com O Barão de Lavos, de
Abel Botelho, como exemplo provavelmente mais ilustrativo da ficção narrativa
com as fórmulas de representação (inclusivamente no que diz respeito
ao léxico) derivadas da literatura dita ‘científica’.”
Há,
contudo, uma característica transversal a obras referidas: “A perspectiva
homofóbica que todas estas representações partilham”. Em todas elas, “a
homossexualidade é encarada como um desvio da norma e perversão moralmente
condenável”, existindo, porém, “diferenças consideráveis de grau e
estilo”, esclareceu a professora da University of Massachusetts que, em
breve, irá lançar um livro sobre António Botto. “Por um lado temos a
homofobia extrema d’O Barão de Lavos, por outro as visões menos claramente
moralizantes e mais ambíguas de Bom Crioulo, d’O Cortiço, de Aluísio Azevedo,
ou d’O Crime do Padre Amaro. Neste último, por exemplo, a relativa tolerância
de Libaninho pela sociedade de Leiria pode ser interpretada como um índice
narrativo da indigência e/ou corrupção moral dos grupos sociais que o acolhem —
os padres e as beatas –, mas ainda assim não deixa de ser interessante, se
sobretudo em contraste com a perspectiva violentamente homofóbica do romance de
Abel Botelho.”
Ousado, mas
com muitas limitações
Em
conversa, Leandro Valentin admitiu que se pode dizer “que a abordagem de
Caminha é um pouco diferente da dos escritores seus contemporâneos porque,
mesmo sob um prisma naturalista e afeito às avaliações morais da época, a
caracterização do plano afetivo e do desejo homoerótico de Amaro apresenta
certa complexidade”. “Ou seja, embora o romance trate a homossexualidade
como um vício e um delito, os procedimentos narrativos adotados fazem com que o
tratamento conferido ao tema não construa uma crítica tão violenta como
acontece nos outros romances da época. O resultado disso é uma espécie de
ambivalência ou contradição que torna a obra menos redutora e mais interessante”,
afirmou o investigador da Universidade Estadual Paulista. Por essa razão,
Valentin acredita que “seria complicado e talvez impreciso afirmar que o objetivo
do romance foi uma condenação aberta da homossexualidade porque, por vezes, há
uma diferença entre as intenções do autor e o resultado efetivo que da obra que
ele produz”.
Para o
autor de “A recepção crítica e a representação da homossexualidade do romance
Bom-Crioulo, de Adolfo Caminha”, talvez o autor tenha escrito “o romance
com o objetivo de condenar a homossexualidade ou se ter valido desse argumento
apenas para se defender dos críticos — o que jamais saberemos de fato, creio —,
mas é preciso lembrar que o texto literário pode portar sentidos não previstos
pelo escritor”. De forma a exemplificar isso, Valentin lembrou “as cenas
com descrições pormenorizadas do desejo homoerótico de Amaro e do ato sexual
entre ele e Aleixo”, que podem ter sido construídas no romance para chocar
os seus leitores e condenar a homossexualidade por meio da articulação deste
efeito de choque descritivo com as avaliações morais do narrador”. Mas é
importante lembrar que foram essas descrições que acabaram por tornar “a
obra inovadora, justamente por sustentarem uma abordagem de um tema tabu de
modo tão aberto”. ”Isto é, o preconceito palpável no discurso do
narrador em alguns momentos do texto não invalida a importância do tratamento
narrativo conferido à representação da homossexualidade na obra, marcada também
pela exploração literária do plano afetivo complexo de Amaro, afastando, assim,
o romance de um sistema completamente fechado e reiterado de condenação da
homossexualidade. Ambivalências e contradições deste tipo são próprias do texto
literário e revelam uma dinâmica curiosa da inserção de obras num determinado
sistema literário.”
No artigo “Race
and Transgressive Sexuality in Adolfo Caminha’s Bom Crioulo”, Robert Howes
também lembrou o facto de o romance de Caminha ter sido sempre “encarado
pelos críticos”, ao longo das últimas décadas, “como ambíguo e
contraditório, especialmente no seu tratamento da homossexualidade”. “Apesar
de Caminha chamar à relação física um ‘delito contra a natureza’, os aspetos
mais impressionantes do romance são a abertura das descrições e a atitude
despegada do autor em relação ao tema principal.” César Braga-Pinto também
considera que, apesar de se tratar de um romance naturalista, Bom Crioulo não
se resume a tratar a homossexualidade como “uma patologia social”. “Na
verdade, o romance é ousado por tratar uma temática tabu, mas tem as limitações
e contradições do pensamento científico da época em que foi escrito. Enquanto
em outros países há romances do século XIX, como Moby Dick ou Huckleberry Finn,
que tratam a amizade entre o homem branco e o homem negro com alguma carga de
homoerotismo, a relação sexual nunca se consuma. Em todo o caso, o livro contém
uma carga emotiva forte, a descrição é bastante viva e continua a ser
provocador, muitas vezes indo além dos estereótipos.”
Foi talvez
por isso que, na altura da sua publicação, Bom Crioulo foi recebido de forma
tão negativa por parte da crítica, sobretudo devido às “cenas explícitas de
atos sexuais entre dois homens, o que era algo inconcebível para o senso comum
da época”, como apontou Leandro Valentin. “A simples representação mais
direta de um tema tabu era algo inaceitável. Isso não deixa de ser parecido com
os problemas que Gustave Flaubert teve de enfrentar depois da publicação de Madame
Bovary, que posteriormente se tornaria num dos maiores clássicos universais.”
César Braga-Pinto também acredita que a explicação está no facto de Caminha ter
tratado “o tema da homossexualidade de forma tão explícita”, o que “não
era de fácil assimilação” na altura. “Mesmo se o objetivo fosse condenar
a homossexualidade.” Mas Leandro Valentin acha que houve ainda uma outra
razão: “Acredito que nem sempre os contemporâneos de uma obra”
compreenderem “as várias possibilidades de leitura que ela representa”,
disse ao Observador, explicando que foi precisamente isso que aconteceu com Dom
Casmurro, de Machado de Assis, “obra produzida até meados do século XX, que
tratava a traição de Capitu como algo certo”. “Foi só a partir de 1960, seis
décadas depois da publicação do romance, que se passou a questionar essa
traição e o discurso enviesado de Bentinho”, marido de Capitu. “Os
contemporâneos nem sempre conseguem compreender as várias possibilidades de
leitura das obras da sua época justamente porque nem todos conseguem avaliá-las
com um distanciamento crítico do pensamento corrente.”
Regina
Dalcastagnè vai mais longe: para a professora de literatura brasileira da
Universidade de Brasília, o terceiro romance de Adolfo Caminha é, ainda hoje,
“uma perturbação” no “cenário cultural” do Brasil. “Reivindicado atualmente
como o primeiro romance brasileiro a trazer a público um protagonista
homossexual, Bom Crioulo chama a atenção ainda para uma série de
outras ausências em nossa literatura — não apenas a do século XIX, mas também a
de hoje, que, de um modo geral, não dá guarida a personagens como Amaro”, gay,
negro e trabalhador braçal. “Três características que, isoladas, já seriam
suficientes para torná-lo invisível nos discursos predominantes que circulam
pelos mais variados espaços sociais”, salientou em “Retrato sem parede: o Bom
Crioulo de Adolfo Caminha”. “Nos romances brasileiros contemporâneos, em
especial aqueles publicados pelas editoras prestigiadas e que obtêm maior
impacto entre o público e a crítica, são raros os protagonistas negros, raros
os protagonistas homossexuais, raros os protagonistas trabalhadores. Por isso
mesmo, o estranhamento que o leitor sente ao ler o livro permanece, mais de cem
anos depois de ele ter sido escrito.”
Mas a
homofobia está lá, facto que levou César Braga-Pinto a considerar, no artigo
“Othelo’s Pathologies: Reading Adolfo Caminha with Lombroso”, que Bom Crioulo
não é um “texto fundador” da “literatura gay”, como chegou a ser defendido, mas
antes uma exploração da homossexualidade masculina. Como frisou o professor da
Northwestern University, no Illinois, ao Observador, “ao considera-lo
inaugurador de uma literatura gay e não simplesmente de temática gay,
subestima-se o que ele tem de preconceituoso em relação à homossexualidade”.
“Além disso, subestima-se o papel da raça e do racismo no romance. Em todo
caso, o livro não deixa de ter grande interesse para o leitor e crítico queer”,
afirmou. Anna Klobucka concorda: “Apesar do tratamento relativamente positivo
do seu protagonista, o romance não é propulsionado pela energia política
emancipatória, mas antes pela exploração oportunista, embora com efeitos muito
interessantes e incomuns, de um tópico em voga na época, particularmente, no
que diz respeito ao Brasil, tendo em vista o cruzamento entre o ‘desvio’ sexual
e o fantasma da miscigenação que se opera no romance”.
Os
preconceitos da época — e provavelmente do autor — são também visíveis numa
outra característica do romance — o facto de ter o primeiro protagonista negro
da história da literatura brasileira –, muitas vezes passada para segundo
plano, já é mais difícil de explicar. Muitos acreditam está relacionada com o
desejo homoerótico e a sua possível relação com o conceito de raça do final do
século XIX. “Naquele momento, explicava-se a homossexualidade de duas maneiras:
ou era inata ou era causada pelo meio. Porém, ao se associar a homossexualidade
ao corpo negro, a influência do meio deixa de ter importância, já que a raça
era supostamente imutável”, afirmou César Braga-Pinto, que acredita que “a
verdadeira novidade na obra de Caminha é a maneira” como examinou “a
homossexualidade congénita na sua interseção com a crença a imutabilidade da
raça”.
Isso não
significa, porém, que Adolfo Caminha considera-se que havia uma ligação direta
entre a cor da pele do protagonista e a sua orientação sexual. Mas a verdade é
que havia “da parte do autor um certo interesse em identificar o sujeito que
tinha inclinações inatas ao crime e também à homossexualidade”. “Ambas
se manifestavam no corpo negro. Porém, não se pode dizer que, com isso, ele
quisesse dizer que todo o negro tinha inclinação à homossexualidade. Enquanto
obra de ficção, o romance permite uma certa ambiguidade”, disse ainda o
professor, que está prestes a lançar o livro A Violência das Letras:
Amizade e inimizade na literatura brasileira (1888-1940), que procura “entender
a transformações nos discursos sobre a amizade entre a elite letrada do Brasil”.
Leandro Valentin também não põe de lado a hipótese de Caminha “ter
mobilizado a cor do protagonista para indicar que a sua inferioridade de raça
seria mais propícia para o desenvolvimento de comportamentos sexuais
considerados anómalos pelo momento histórico”, sobretudo tendo em conta que
Bom Crioulo foi “produzido sobre o prisma naturalista e científico da época,
que tratava os negros como uma raça inferior”. “Um indício dessa
possibilidade de leitura é a reiteração do procedimento de zoomorfização de Bom
Crioulo ao longo do romance, que bestializa a figura do negro corpulento, cujo
desejo é, na verdade, produto do instinto. Um procedimento racista, ressalte-se.”
Assim
sendo, como é que devemos encarar Bom Crioulo ? Como um romance homofóbico,
preconceituoso, marcado pelas pseudoteorias científicas do seu tempo? Ou como
uma obra inovadora? A resposta não é fácil.
Anna
Klobucka acredita que, apesar dos preconceitos que lhe são inerentes, o romance
é “um caso importante no arquivo histórico das representações das
identidades e relações não heteronormativas”. Já Leandro Valentin defende
que Bom Crioulo está “quilómetros à frente do seu tempo” porque “as
ambivalências, contradições e procedimentos de representação da
homossexualidade demonstram que a abordagem deste tema no romance de Caminha
não é redutora e foi inovadora para a época”. “Não importante se isso
foi um sentido previsto pelo autor ou não ao conceber a obra.” Como
escreveu no artigo “A recepção crítica e a representação da homossexualidade
do romance Bom-Crioulo, de Adolfo Caminha”: “Talvez esta seja a primeira
exploração, na literatura brasileira, do plano erótico-amoroso de uma
personagem homossexual. Obviamente, isto não se dá sem contradições e sem a
presença de valores morais da época. Portanto, ainda que possua certa carga de
moralismo, Bom Crioulo é um romance muito significativo por representar a
homossexualidade abertamente num contexto muito conservador”.
Mais claro
é o seu lugar na história da literatura brasileira. O autor é, juntamente com
Júlio Ribeiro e Aluíso Azevedo, geralmente apontado como um dos expoentes
máximos do Naturalismo no Brasil, ocupando “um lugar de destaque na ficção
naturalista do final do século XIX”, como apontou ainda Valentin. Para o
investigador, Adolfo Caminha é ainda “percursor das narrativas brasileiras em
que o homoerotismo é representado, justamente por ser o primeiro romance da
literatura brasileira a lematizá-lo como assunto central”. Regina Dalcastagnè,
em “Retrato sem parede: o Bom Crioulo de Adolfo Caminha”, defendeu que “Bom
Crioulo não é apenas um documento da época ou uma correta aplicação, no Brasil,
das teorias do Naturalismo francês”. É muito mais do que isso. “Ao dar
vazão a outras possibilidades de apreensão do mundo social e a outros modos de
viver a sexualidade, Adolfo Caminha instaura a ambiguidade em sua narrativa”,
escreveu a professora, esclarecendo que, “graças a essa ambiguidade”, o
romance é, “sem se querer, ‘atemporal’ (qualidade que, a rigor, só seria
conquistada por uma obra que negasse aquilo que possui de mais valioso, seu
carácter humano), é capaz de desafiar seus leitores mais de um século depois de
ter sido escrito”. “E que, por isso mesmo, deve ser lido não com a
condescendência destinada aos velhos textos do passado, nem com o enfado ao
qual se relegam as tarefas escolares, mas com o rigor crítico e o interesse que
merecem as obras que ainda falam a nós.”
Letras para a Posteridade coletadas por
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