A arte do improviso
Por Diogo
Almeida Alves (*)
(*) Curador dos Global Shapers do Fórum Econômico Mundial em Portugal. Partner na The Human Story, empowerment e desenvolvimento de competências através do teatro de improviso. Coautor de "Binómio Tecnologia e Sustentabilidade." Contribui para a publicação científica Springer Nature, e Diretor da Associação Federal Alemã para a Sustentabilidade. Professor Convidado do ISCSP (Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas) da Universidade de Lisboa.
Neste
teatro que é a vida, o palco mais recente passou a ser a nossa casa. E hoje,
mais do que nunca, todos improvisamos.
A
arte do improviso remonta ao Império Romano e a 360 AC. No latim, improvus
significa imprevisto e surpresa, como também melhorar. O drama e a comédia de
improviso começaram na cidade de Atella, na província de Basilicata, que hoje
em dia tem cerca de 600 mil habitantes.
Curiosa
e felizmente, é uma das regiões menos afetada pelo COVID-19 em Itália, com
pouco mais de 100 casos registados. Já no século XVI, a Commedia dell´Arte em
Itália e o Stegreiftheater na Áustria, foram os primeiros movimentos que
juntaram o teatro e o improviso.
No
século XIX, a improvisação teve como seus mestres o russo Konstantin
Stanislavski e o francês Jacques Copeau, que utilizavam esta arte na formação e
ensaio teatral. Se avançarmos até ao século XX, e nos anos 40-60, nos EUA,
Viola Spolin no seu Improvisation for the Theatre, explica-nos as fundações do
teatro de improviso.
Por
volta da mesma altura, o brasileiro Augusto Boal criou o Teatro do Oprimido,
cujos métodos procuravam ajudar a audiência a fazer face à opressão sentida na
época de ditadura militar no Brasil. Já nos anos 70, o inglês Keith Johnstone
inventa o TheatreSports, uma forma de entretenimento de competição teatral em
que duas equipas de improvisação tinham de criar cenas e situações baseadas em
sugestões da audiência.
Hoje,
e já no século XXI, o teatro de improviso tem várias formas, divididas entre
short form, com jogos e dinâmicas de curta duração; long form, peças
improvisadas de longa duração; o já referido TheatreSports; music forms, no
qual peças musicais ou óperas improvisadas são criadas; ou o célebre stand up
comedy, que tem uma grande parte de preparação mas também alguma de improvisação.
Nesta
peça teatral em formato de artigo, vou-me centrar na aplicação prática dos
princípios e das técnicas do teatro de improviso a situações reais do
dia-a-dia, designada por Applied Improv. Este tem vindo a ser utilizado com
sucesso com diferentes objetivos, seja para fins terapêuticos com idosos, para
educação de crianças e jovens, para reinserção social de imigrantes e pessoas
em condições socialmente desfavorecidas, ou em ambiente corporativo.
O
Applied Improv lida sobretudo com aquilo que designo por competências naturais,
ou seja, a capacidade de respondermos e reagirmos perante situações
inesperadas, de nos libertarmos de preconceitos, e de enfrentarmos resistências
mentais e bloqueios emocionais, tomando consciência de nós próprios, dos
outros, e do meio envolvente que nos rodeia para encarar esses desafios da
melhor forma.
E
esta técnica, por trabalhar a fundo estas temáticas e por conseguir a sua
associação a situações reais, é um método de aprendizagem robusto para
trabalhar os nossos comportamentos e essas competências naturais.
E
esta pandemia tem um cariz sobretudo comportamental, chamando-nos em particular
para a importância do impacto que o nosso comportamento individual pode ter num
grupo, sendo ele numa primeira instância a nossa família, amigos e equipa de
trabalho.
No
limite, demonstra-nos o impacto que pode ter para a sociedade em geral, podendo
contribuir para nos proteger ou para agravar riscos de saúde pública. Nunca foi
tão importante uma reflexão de comportamentos na sociedade, em que com uma e
tão simples decisão, como ficar em casa, podemos efetivamente salvar vidas.
Contudo,
os seres humanos são criaturas de hábitos e o isolamento social em larga escala
e por um período de duração extensa, está e irá colocar desafios nunca antes
vistos.
E é
aí que os princípios do teatro de improviso apresentam uma aplicação direta nas
nossas vidas. Esta arte baseia-se no princípio Yes, And (ou "Sim, E"
em português), que assenta numa atitude de aceitação constante, e numa construção
positiva, complementando as opiniões e argumentos dos outros.
Nos
dias de hoje, e ao contrário do que alguns artigos apregoam, mais importante do
que ter rotinas, é reconhecer que os nossos horários e dinâmicas de trabalho se
têm que adaptar ao inesperado, e que devemos aceitar esse facto de forma
natural, seja porque o cliente, parceiro ou colega demora mais tempo a
conectar-se ao Skype ou ao Zoom, ou porque o nosso filho ou filha está na sala
ao lado, e pode precisar da sua mãe ou pai, que terá de responder no momento.
Esta
situação em que todos vivemos apresenta um fenômeno social que deve ser encarado
pela positiva, tendo em vista dois prismas: o primeiro, que tem a ver com a
capacidade de ocupar o nosso tempo de forma útil no presente (por exemplo pela
via do entretenimento), e o segundo, que é pensar e preparar o futuro, pela via
da formação e desenvolvimento pessoal.
Como
tal, e sobre a primeira perspectiva, temos efetivamente de nos focar no
presente e responder no momento, aplicando uma mentalidade Here and Now ou
"Aqui e Agora", como a arte do improviso defende. Encarar esta
situação de frente é importante, mas também é o facto de ter consciência sobre
o potencial impacto que esta pode ter para a nossa ansiedade e saúde mental, e
procurar encontrar apoio e mecanismos de respostas para tal.
Num
artigo que escrevi há sensivelmente um ano, referi a importância de
respeitarmos o tempo e o timing dos vários projetos pessoais e profissionais em
que estamos envolvidos e sentir o nosso bem-estar emocional, social e econômico. Aferirmos o que nos faz feliz em cada momento, sendo que como seres
mutáveis, a origem e drivers de felicidade variam de acordo com as várias
etapas da nossa vida.
Sobre
essa temática, remontemos então ao longínquo ano de 1850 e a Charles Darwin. No
seu famoso The Origin of Species, Darwin propõe que a evolução humana é baseada
na seleção natural, e que esta depende tanto dos genes, como do ambiente que
nos rodeia. Esta seleção natural, faz também com que as populações só consigam
sobreviver se conseguirem adaptar-se e integrar-se nos ambientes em que se
inserem, por via do hábito.
Nos
dias que correm, as pessoas devem encarar a mudança como um hábito. E é aí que
entra o segundo prisma, utilizando o tempo de forma sábia, não só para encarar
o presente, mas também para preparar o futuro. Podendo as pessoas ter perfis
mais generalistas ou mais especialistas, todos devemos refletir sobre aquilo
que sabemos, sobre aquilo que queremos, e sobre o que devemos aprender para lá
chegar.
A
verdade é que como Michael Maubossin escreveu no seu livro Think Twice, as
pessoas que ficam paradas em hábitos antigos de pensamento e de ação, falham em
entender quais as respostas mais adequadas face a novos problemas que surgem,
tendo portanto dificuldade em enfrentá-los de diferentes perspectivas, porque,
tal como referi acima, esta abordagem não lhes é natural.
Deste
modo, este tempo que hoje temos, deve servir para encararmos este desafio como
uma oportunidade para mudar a nossa mentalidade e de abraçar a mudança de forma
positiva, vendo-a como uma oportunidade e não como uma ameaça. Sendo assim,
temos de trabalhar nas nossas próprias competências, e a tecnologia pode ser um
forte aliado nesta viagem.
É o
momento certo para encarar um novo modo de trabalhar como forma de
experimentação, que forçosamente levará a erros, dos quais teremos de tirar
ilações para nos prepararmos melhor para os desafios do futuro
Tal
como o que estamos a assistir no nosso sector cultural, em que os espetáculos
artísticos, musicais e teatrais se fazem agora online à espera de melhores
dias, temos de enfatizar e estimular a criatividade humana, porque esta nunca para.
De facto, é através desta característica que podemos estar mais bem preparados
para enfrentar adversidades. Pensando e agindo de forma diferente.
Neste
contexto de crise, a situação é também muito desafiante para as empresas. Para
além dos óbvios desafios legais e econômicos, este será também um bom momento
para parar, analisar e redefinir. E é aí que entra mais um dos princípios do
teatro de improviso, o Fail And Learn, ou "Falhar e Aprender", para
desenhar estratégias, rever budgets e prioridades da empresa, e sobretudo
centrar-se mais e mais nas suas pessoas nesta fase difícil. De facto, o capital
humano é o único recurso capaz de trazer a criatividade e a inovação que são
precisas para superar a crise, mas também a resiliência e a solidariedade para
manter o grupo unido.
É o
momento certo para encarar um novo modo de trabalhar como forma de
experimentação, que forçosamente levará a erros, dos quais teremos de tirar
ilações para nos prepararmos melhor para os desafios do futuro, sejam eles
positivos, como saltos tecnológicos ainda mais rápidos ou novas oportunidades
de mercado, ou negativo, como uma pandemia, uma crise econômica, ou uma guerra.
Sobre
esta última palavra, Randolph Bourne disse aquando da entrada dos EUA na 1ª
Guerra Mundial que "a guerra é a saúde do Estado", preconizando a
vitória e os benefícios militares e econômicos que daí adviriam para os
americanos. A verdade é que nunca tivemos uma "guerra" (palavra tão
ouvida e lida nos dias de hoje) que trouxesse tantos desafios de improviso aos
Governos, pela constante mudança e adaptação de medidas legislativas num quadro
de estado de emergência. Estes têm trabalhado com base num princípio teatral, o
Power for All, ou "Poder para Todos", delegando o poder mais
importante a todos os seus cidadãos, o de ficar em casa.
Por
fim, uma palavra para todas as forças de segurança e profissionais de saúde,
desde os médicos, assistentes, internos, enfermeiros, ao pessoal
administrativo, da limpeza e segurança dos hospitais e clínicas, que todos os
dias improvisam na luta contra este vírus, enfrentando o presente de frente, e
na esperança de que encaremos o futuro mais preparados.
Porque
este é só um ato intermédio, e não o final da peça.
Letras para a Posteridade coletadas por
ANTÓNIO CUNHA
Outras intervenções:
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